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Conheça Projeto-Piloto de Educação Escolar Multilíngue

Notícias - 23 de agosto de 2018

No Brasil, o Português e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) são as línguas oficiais. Mas o Brasil é um país multilíngue e a maioria das línguas é autóctone: existem 274 línguas indígenas (IBGE / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo 2010) e cerca de 56 idiomas de imigração (IPOL – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Política Linguística) devido à imigração. No total, 331 idiomas diferentes são falados no Brasil. Nesse sentido, vivemos num país multiétnico e multilíngue, no qual diferentes culturas e línguas coexistem no mesmo espaço. Além das línguas indígenas, encontramos grupos de descendentes de imigrantes.

Os pomeranos e pomeranos fazem parte dessa realidade multicultural e multilíngue. Conforme o Decreto Federal no 6.040/2007, os pomeranos são reconhecidos como povo tradicional, pois distinguem-se de outras populações residentes no País, por especificidades de língua (o Pomerano), arte verbal, cultura, história próprias. Trouxeram para a região que ocuparam aspectos socioculturais que lhe são próprios e que podem ser observados e reconhecidos pelos demais grupos.

Como resultado de discussões de um grupo de pomeranos/as preocupados/as com a manutenção da língua nativa deste povo e por se reconhecer a necessidade de desenvolver práticas diferenciadas de educação para atender a esses estudantes, e contando com o apoio de gestores/as de vários municípios do Espírito Santo, entre os anos de 2003 e 2004, discutiu-se a criação de um programa de educação escolar, que integrasse o Pomerano no na matiz curricular das escolas públicas.

PROEPO

O Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo – Schaulprogram) foi implementado, em 2005, nas escolas da rede municipal dos municípios de Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da Terra, Pancas e Vila Pavão, cujo objetivo é desenvolver um projeto político e pedagógico que valorize e fortaleça a cultura e a língua pomerana no ambiente escolar. Desde então, deu-se início à formação de professores/as em língua e cultura pomerana, ministrada por linguista, e esse idioma passou a ser ensinado nas escolas dos municípios citados.

Um passo importante no processo de reconhecimento e para a elevação do prestígio da língua nativa foi a cooficialização desse idioma em vários municípios do Espírito Santo e do Brasil, tornando o Pomerano língua oficial ao lado do Português. Em Santa Maria de Jetibá, o Pomerano é língua cooficial desde 2009. A cooficialização da língua pomerana obriga o município, entre outras tarefas, a “incentivar o aprendizado e o uso da língua pomerana, nas escolas e nos meios de comunicação”.

Deste modo, a educação escolar pomerana procura oferecer aos educandos/as oportunidades de conhecimento de suas origens como cidadãos brasileiros e como participantes de um grupo social específico e que fala uma língua diferenciada. Ao valorizar as diversas culturas e línguas presentes no Brasil, a escola propicia ao aluno a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua autoestima como ser humano pleno de dignidade.

Em Santa Maria de Jetibá, o Pomerano é a língua materna da maioria da população, sendo adquida no ambiente familiar e vizinhanças. Conforme o linguista Chomsky (1981), uma língua materna pode ser adquirida até os 12 anos de idade. No entanto, estudos mais recentes apontam que o período de aquisição da língua estende-se até em torno dos 18 anos. Após esse período, as habilidades linguísticas do falante são diferentes e toda língua aprendida depois passará a ser considerada como segunda língua. Muitos adultos estudam línguas estrangeiras por anos e não chegam a atingir a proficiência linguística de uma criança de 3 anos. O processo de aquisição da língua materna se diferencia das línguas que se adquire posteriormente, na idade adulta. Os adultos aprendem uma ou mais línguas estrangeiras, mas não possuem a desenvoltura de um falante nativo dessas línguas.

Nesse sentido, além da língua materna, a criança está apta a adquirir outras línguas a que esteja exposta. Em se tratando de idiomas que pertencem à mesma família linguística, a aquisição ocorre de modo mais rápido e eficaz, sendo que uma língua atua como “ponte” para o aprendizado de outra.

Em três países da Europa de língua germânica – Alemanha, Áustria e Suíça -, 16 escolas implementaram projetos-pilotos, nas quais os/as estudantes após serem alfabetizados/as na língua materna (o Alemão) adquirem/aprendem mais três ou quatro línguas, como o Neerlandês, Sueco, Inglês e Islandês.

Inspirado nesta experiência exitosa, o então pós-doutorando Prof. Dr. Ismael Tressmann escreveu o Projeto de Educação Multilíngue “Pommerisch in der Schule? Sprachrevitalisierung und Transkulturalisierung”, em colaboração com o Prof. Dr. Peter Rosenberg, da Europa-Universität Viadrina (EUV – Alemanha). Esse trabalho teve continuidade após o retorno do pequisador ao Brasil, em parceria entre a Europa-Universität Viadrina Frankfurt e a Universidade Federal Fluminense (UFF), na pessoa da Profa. Dra. Mônica Savedra, que será implementado em 2019 em escolas-pilotos públicas do município de Santa Maria de Jetibá, Espírito Santo. O projeto objetiva a formação e a contratação de profissionais que atuarão nessas escolas com as línguas Pomerano (língua materna dos educandos/as), Português (Língua II), Alemão (Língua III) e Inglês (Língua IV).O fato de os estudantes serem falantes nativos da língua pomerana, contribuiria em muito para a aquisição/aprendizado das demais línguas citadas, a qual poderia servir como “ponte”, já que estas línguas revelam parentesco sistemático, possuindo histórias e um léxico comuns.

Entre os dias 6, 7 e 8 de agosto de 2018, os professores doutores Peter Rosenberg (EUV) e Mônica Savedra (UFF) estiveram em Santa Maria de Jetibá para dialogar com gestores da Prefeitura Municipal local e realizar visitas à escolas da zona rural, firmando a parceria entre as citadas instituições públicas. A secretária de Educação, Profa. Beatriz Elias da Silva e Souza, avaliou que a proposta do projeto-piloto representa um avanço importante em direção a uma educação escolar respeitosa da diversidade linguística e cultural no Espírito Santo, constituindo um decisivo incentivo para a manutenção e o fortalecimento da língua pomerana e de seus falantes bem como de outras línguas da família germânica.

Pesquisas na área de Linguística consideram que o bilinguismo/multilinguismo infantil traz muitos benefícios, especialmente para o desenvolvimento linguístico das crianças. Ao contrário do senso comum, que concebe a introdução de outras línguas como um entrave para o aprendizado e domínio da língua portuguesa nas escolas, estudos comprovam que o uso de mais que uma língua no cotidiano das crianças tem uma influência positiva no desenvolvimento de alguns processos cognitivos como a atenção seletiva e o controle inibitório (capacidade para evitar elementos distratores), quando comparadas com crianças monolíngues da mesma idade. Estas e outras funções executivas estão relacionadas com o planejamento de ações e a tomada de decisões mas, acima de tudo, com o convívio em sociedade e o contato com outras culturas.

Por Ismael Tressmann

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