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A CULTURA E A LÍNGUA POMERANAS VÃO À ESCOLA

Artes, Letras e Cultura - 8 de fevereiro de 2021

Por: Antonio Neto

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde também cursou Especialização em Educação do Campo e, atualmente, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem – PosLing na Universidade Federal Fluminense – Rio de Janeiro (UFF), Sintia Bausen Kuster, é filha de camponeses pomeranos, de quem herdou o pomerano como língua materna, usada exclusivamente até aos sete anos de idade, quando começou a aprender português ao ingressar na escola. Em 2005 a menina, que havia sido proibida de falar pomerano na escola, já atuava como professora da Educação Básica na rede municipal de Santa Maria de Jetibá (ES) e viria a se tornar coordenadora do Programa de Educação Escolar Pomerana (Proepo). Ao longo desses anos, atuou nessa política pública que tem por objetivo valorizar e fortalecer nas escolas a língua pomerana, nas suas formas oral e escrita, bem como em ações ligadas à sua promoção e legitimidade, tais como o processo de cooficialização, o censo sociolinguístico, o aplicativo Aprenda pomerano – o primeiro do mundo a traduzir essa língua para diversas outras – e, recentemente, atuou na equipe responsável pelo Inventário da Língua Pomerana no Brasil.

“Na década de 1980, quando comecei minha vida escolar, aos sete anos, ainda não existia pré-escola na região de São Sebastião de Belém, Santa Maria de Jetibá (ES), comunidade onde eu morava. Praticamente desconhecíamos o português. Aliás, todas as pessoas com quem convivíamos falavam somente o pomerano, tanto no domínio privado como nas interações fora dele. Em qualquer situação, o ingresso na escola gera ansiedade e expectativa nas crianças. Comigo também foi assim, mas o medo em relação a aprender e praticar uma língua diferente, desconhecida da que eu usava em casa, agravou essa ansiedade. Embora já estivéssemos em 1982, ainda ressoavam as pressões de assimilação da cultura dominante, resquícios da medida de Vargas proibindo o uso da língua pomerana no espaço escolar. Nesse primeiro contato com a escola, minha reação foi de estranhamento. Inúmeras preocupações fervilhavam na minha mente: como eu daria conta de aprender a falar uma nova língua e também de assimilar todo o conteúdo proposto? Não conseguia entender por que, naquele espaço, nossa língua era totalmente anulada e corríamos até riscos de punição física e moral, se ousássemos usá-la. No primeiro momento, eu só pensava em fugir daquele lugar. Mas, como os colegas veteranos se propunham a ajudar os iniciantes, eu e outros alunos da minha sala, que também eram descendentes de pomeranos, enfrentamos isso de forma menos constrangedora.”

No seu livro, fruto de sua pesquisa de mestrado, Sintia Bausen Küster adentra o espaço escolar para tratar dessa língua que ela viu ser alvo de proibição durante sua trajetória escolar. Sua língua materna já não mais é refutada nesse espaço; ela é o coração da política pública “Programa de Educação Escolar Pomerana”, implantada nas salas de aula da rede municipal de Santa Maria de Jetibá em 2005. Ali, assistindo a alunos, professores e demais funcionários da escola, em interação com a língua pomerana, a autora narra sobre um movimento de valorização da cultura e língua pomeranas diferente da sua vivência quando criança. Em vez da “poda”, a abertura para a singularidade de uma cultura; em vez do medo de punições, o júbilo em reafirmar um aspecto tão marcante de sua identidade como pomerana!

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